A temporada da peça “Daqui Ninguém Sai”, montagem do Teatro de Comédia do Paraná (TCP) em homenagem ao centenário de Dalton Trevisan, chegou ao fim neste domingo (15) com público de cerca de 3,1 mil espectadores. Em cartaz desde 23 de maio no auditório Salvador de Ferrante (Guairinha), a peça reuniu vários contos clássicos do autor curitibano, trechos de cartas pessoais e o tom ácido que marca sua produção, em uma dramaturgia adaptada especialmente para o palco.
Dirigida por Nena Inoue, a montagem foi pensada para homenagear Dalton em vida, mas acabou se tornando também um tributo póstumo ao escritor, falecido em dezembro de 2024, aos 99 anos. O título da peça foi escolhido pelo próprio autor antes de sua morte. “A obra dele segue viva, e isso foi sentido intensamente em cada sessão, com casa cheia e emoção à flor da pele”, destacou a diretora.
Além das 12 apresentações para o público em geral, a temporada também foi marcada por ações de democratização do acesso à cultura, com sessões exclusivas para escolas públicas e instituições de Curitiba e região. Ao todo, cerca de 20 entidades foram atendidas, somando quase 1 mil espectadores.
Foram atendidos alunos e moradores dos municípios de Campo Magro, Piên, Piraquara, Almirante Tamandaré, Pinhais, Araucária, Tijucas do Sul, Colombo, Campo do Tenente, Fazenda Rio Grande, Lapa, Adrianópolis, Contenda, Tunas do Paraná, Quitandinha, além de colégios de bairros periféricos de Curitiba.
“Para muitos desses estudantes e adultos, foi a primeira experiência dentro de um teatro e o primeiro contato com a obra de Dalton Trevisan. É uma vivência que pode transformar, que pode despertar o gosto pela leitura, pela arte, pelo pensamento crítico”, avaliou a diretora. A peça contou com intérprete de Libras em todas as apresentações, garantindo acessibilidade ao público surdo, e ingresso gratuito para pessoas com deficiência auditiva.
“É a primeira vez que entrei num teatro em Curitiba. Eu sou fascinado por arte e cultura. Dou aula de português e vou trabalhar essa peça com os alunos”, disse o professor Leonardo Schiola de Miranda, de Campo Magro, um dos espectadores. Segundo ele, embora alguns estudantes tenham se chocado com temas mais explícitos, isso é parte do desafio de aproximar a literatura da realidade. “O problema da nossa juventude é que eles não leem. Então agora cabe a nós, professores, levar essa obra até eles.”
POTÊNCIA – O ator Val Salles, que interpretou Dalton em cena, destacou a potência dessas sessões especiais. “A chance de encontrar ali pessoas que estão vindo pela primeira vez ao teatro é maior. E as primeiras vezes são sempre marcantes. Dalton é muito popular. Ele se comunica e mostra uma realidade que está muito próxima da gente. Ele observou todos os cantos da cidade. Então, a gente se vê refletido na obra dele”, disse.
“O espetáculo só cresceu no encontro com o público, provando que a palavra do Dalton tem poder”, ressaltou o ator. Ele contou sobre a experiência que teve com um espectador com autismo, filho de uma amiga dele, que assistiu à peça. “Ele lançou um olhar muito pertinente para a obra, disse que achou muito real. Eu achei muito bonito. Entrar em contato com Dalton dessa forma, através do teatro, acho que é um combo muito fértil”, avaliou.
A montagem estreou com sessões esgotadas durante o 33º Festival de Curitiba, em março, e voltou ao palco para esta temporada comemorativa. A dramaturgia de Henrique Fontes passou por 27 versões até alcançar o formato final, respeitando a linguagem de Dalton, que era conhecido por sua exigência estética e pelo apego ao texto original.
Nesta temporada, o elenco foi formado pelos atores Carol Mascarenhas, Fábyo Rolywer, Laís Cristina, Madu Forti, Paula Roque, Paulo Chierentini, Sidy Correa, Trava da Fronteira, Val Salles, Wenry Bueno e Zeca Sales. A peça tem dramaturgia de Henrique Fontes e conta com equipe técnica experiente, com iluminação de Beto Bruel, figurinos de Verônica Julian, cenografia de Carila Matzenbacher e trilha original de Grace Torres e Lilian Nakahodo, além de Babaya na preparação de voz da peça.
TCP – A peça “Daqui Ninguém Sai” consolidou o protagonismo do Teatro de Comédia do Paraná (TCP) como núcleo de produção teatral com forte identidade local. Criado em 1963, já soma mais de 70 montagens e reafirma com esta peça sua vocação popular e seu compromisso com a memória cultural do Estado.
Para Áldice Lopes, diretor artístico do Teatro Guaíra, a obra de Dalton está intrinsecamente ligada à trajetória do espaço. “Dalton venceu os maiores prêmios da literatura em língua portuguesa, incluindo o Camões, e foi igualmente importante para a cena teatral do Paraná. Seus personagens e temas encontram eco no palco do Guaíra, onde sua obra será sempre lembrada”, afirma.