Maria Cristina Canestraro tinha se tornado mãe pela primeira vez há apenas 14 dias quando precisou subir ao palco para uma das apresentações mais importantes de sua vida: a audição para integrar a primeira formação da Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP), em 1985. Estudando violino desde os seis anos, com o incentivo da mãe e de uma família com forte ligação musical, no dia do teste, entre os intervalos das provas, precisava amamentar o filho que acompanhou as audições na última fileira da plateia.
“Precisei chamar uma babá, que ficou segurando ele na última fila da plateia, enquanto eu fazia a prova no palco. Havia fases na prova e meu filho ficava esperando, porque outros músicos tinham que se apresentar e isso demorava. Foi um fato inesquecível para mim”, relembra.
Fundada em 28 de maio de 1985, a Orquestra Sinfônica do Paraná comemora em 2025, quatro décadas de história, talento e emoção – e personagens como Maria Cristina dão rosto e alma a essa trajetória.
Entre os músicos daquele primeiro concurso, além dela, estava também Paulo Augusto Ogura, primo e parceiro de ensaios da infância. Inspirado ao ver a prima tocar, Paulo também se apaixonou pelo violino. No dia da audição, no entanto, viveu um momento dramático: a corda do seu instrumento arrebentou. Desesperado, pensou em desistir, mas Maria Cristina rapidamente trocou a corda e o empurrou de volta ao palco. Ele guarda até hoje o Diário Oficial que trouxe os nomes dos dois entre os primeiros contratados da OSP. “Mesmo antes de estar na Orquestra, a música já preenchia nossas casas. Sempre foi uma realização, nunca trabalho”, lembra.
Esse espírito de família é visível em cada ensaio e apresentação. O maestro Roberto Tibiriçá, diretor musical e regente titular da Orquestra, define o grupo como "uma família com muita disciplina, produtividade e trabalho em equipe, que forma um conjunto forte”. Com meio século de carreira, Tibiriçá vê na convivência entre gerações um dos segredos do sucesso. “Os músicos mais antigos trazem toda sua experiência de vida e artística, enquanto os mais jovens renovam o gás”, diz.
ENCONTRO DE GERAÇÕES – Uma orquestra é formada por diferentes instrumentos e diferentes músicos – diferentes no estilo, na idade e nas gerações. Um exemplo é a pianista Analaura de Souza Pinto, 69 anos, que faz parte da Orquestra desde a sua fundação, em 1985, e o violinista Vinícius Batista, de 25 anos, que entrou para o grupo em 2017, aos 18 anos, sendo até hoje o caçula da formação. São três décadas de diferença.
"Eu entrei na Orquestra em 1985, fiz o primeiro concurso e passei. Estou desde aquela época, desde o primeiro concerto", lembra Analaura. Para ela, a convivência entre gerações é natural. "Em uma orquestra, estamos todos unidos por um único objetivo que é a música. Então, mesmo sendo pessoas diferentes, de lugares diferentes, idades diferentes, a gente tem uma linguagem em comum que é a música. Todo mundo sabe se comunicar através dela”.
Já Vinícius, que é natural de Pato Branco, no Sudoeste do Paraná, vinha para Curitiba desde pequeno para estudar violino, mas se mudou de vez para a Capital na época do vestibular. Antes de ingressar na faculdade de música, uma seleção para a Orquestra Sinfônica do Paraná mudou seus planos. "Muitos estudam para depois conseguir um emprego. Eu consegui um emprego que me deu estabilidade para estudar", conta o violinista, que concluiu a graduação em 2024.
"Quando entrei foi preciso me adaptar, eu era o mais novo, o mascote. Então, tive que me esforçar para buscar o meu lugar. Mas a questão musical é muito pessoal: quando junta todo mundo ali, a música sai. Aí tem o maestro para direcionar. Hoje em dia, a Orquestra se tornou minha família. Moro sozinho aqui e é tudo para mim, um divisor de águas na minha carreira. É o que eu amo fazer", destaca Vinícius.
MÚSICA E AMOR – Entre tantos personagens e histórias, também nasceu uma história de amor. Foi tocando quase de frente um para o outro - ele no violoncelo, ela no violino – que Romildo Weingartner, músico desde a fundação da Orquestra em 1985, conheceu Juliane Martens. O primeiro contato aconteceu em Londrina, quando Romildo fazia um cachê (participação pontual) na Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina, na qual Juliane já atuava.
"Eu tocava uma semana em Londrina, uma semana em Curitiba. E a Ju já fazia parte da Orquestra. Aí não tinha como não observar. O 'cello' ficava posicionado de um lado e o violino de outro. Começou o flerte ali", brinca Romildo.
O namoro evoluiu e Juliane passou a fazer alguns cachês também na Orquestra Sinfônica do Paraná. Até que, em 1999, surgiu um concurso público para o grupo. Ela foi aprovada e precisou decidir a vida em apenas 15 dias: deixou Londrina, veio morar em Curitiba na casa de primas, e logo se casou com Romildo.
"A Orquestra Sinfônica do Paraná foi um marco para mim. Um sonho de adolescência - quando os professores perguntavam de sonhos eu dizia que queria tocar na Orquestra, ainda mais sendo de Londrina. E consegui. E ainda juntei o agradável: unir a família, o amor e o trabalho", relembra Juliane. "Hoje a gente segue se dando muito bem, cada um no seu instrumento, e já fecha um pacote: precisa de um violino? Tem um violoncelo também, um pacote completo", se diverte.
Com 24 anos de casamento, o casal tem três filhos, de 18, 16 e 13 anos, que sempre acompanham os pais da plateia.
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ENTRE IRMÃOS – A Orquestra teve, até o ano passado, três irmãos dividindo o palco. Marlon (violinista), Jasson (violoncelo) e Iraí (viola) Passos, que também estavam na primeira formação, em 1985. Marlon se aposentou no ano passado, mas a família segue representada pelos irmãos mais novos. “Sempre tocamos juntos e isso nos trouxe, além de uma aproximação, um dever com a família e o público. É o que a gente sabe fazer de melhor e com prazer”, conta Iraí.
40 ANOS – Esta reportagem integra a série especial produzida pela Agência Estadual de Notícias (AEN) em comemoração aos 40 anos da Orquestra Sinfônica do Paraná. Criada oficialmente em 28 de março de 1985, a OSP é composta por cerca de 73 músicos e é considerada um dos mais importantes conjuntos sinfônicos do Brasil.
Ao longo de cinco reportagens de texto, áudio e vídeo, a série aborda a história da OSP, os personagens que a construíram, curiosidades, o universo dos instrumentos e a atuação descentralizada que aproxima a arte de diferentes públicos.
Para celebrar suas quatro décadas de história, a Orquestra Sinfônica do Paraná terá três apresentações especiais, nos dias 28 e 29 de maio e 1º de junho, com a execução da "Sinfonia nº 2" de Gustav Mahler, conhecida como "Sinfonia da Ressurreição", sob regência do maestro titular e diretor musical da OSP, Roberto Tibiriçá. Uma websérie documental com quatro episódios também será lançada nos canais do YouTube do Instituto de Apoio à OSP e do Teatro Guaíra.