O abrir das cortinas está no imaginário do público que frequenta o teatro, que aguarda com ansiedade o que vai se revelar no palco. Mas são duas cortinas que se fecham na boca de cena do Guairão e do Guairinha que guardam grandes surpresas. Utilizadas apenas em caso de extrema necessidade, as cortinas corta-fogo dos dois auditórios são inteiramente adornadas com pinturas do artista curitibano Poty Lazzarotto, que completaria 100 anos em 2024.
Grande amante das artes cênicas e mais tarde frequentador assíduo do Teatro Guaíra, Poty foi convidado, na década de 1950, pelo então governador Bento Munhoz da Rocha Neto para fazer o painel que fica na fachada da casa de espetáculos.
Inaugurada em 1969, a obra “O Teatro no Mundo”, com dimensões de quatro metros de altura por 27 metros de largura, tem relevos gravados em concreto que retratam diversos elementos das artes cênicas, desde o seu surgimento na Grécia Antiga até referências a diversos estilos e autores, chegando até o teatro contemporâneo.
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Mas o artista voltaria ao Guaíra nas décadas seguintes para deixar sua marca nas portas de aço que só são baixadas em caso de incêndios. Esta reportagem da série especial “Guaíra 140”, produzida pela Agência Estadual de Notícias (AEN) em celebração aos 140 anos do espaço cultural, revela ao público as obras escondidas do mestre dos traços curitibano.
O diretor artístico do Centro Cultural Teatro Guaíra, Áldice Lopes, lembra que o dispositivo busca garantir a segurança do público, artistas e da própria estrutura do teatro, isolando o palco da plateia caso pegue fogo. Inclusive, em 1970, um incêndio de grandes proporções destruiu o Guairão, que ainda estava em construção, adiando sua inauguração para 1974.
“O Theatro São Theodoro, que foi precursor do Teatro Guaíra, era iluminado a bico de gás quando foi inaugurado, em 1884, então imagina o perigo que era”, conta Lopes. “A cortina corta-fogo foi concebida justamente para dar essa segurança, porque se usava muito a luz quente na iluminação, aumentando esse risco. Hoje a estrutura e as poltronas recebem produtos anti-inflamáveis, e trabalhamos com luz fria, que evita um possível incêndio. Mas as obras do Poty continuam aqui como acervo”.
CORTINA DO GUAIRÃO – Com nove metros de altura e 17 de largura, a ilustração da cortina corta-fogo do Guairão foi concluída em 1988, com o intuito de servir de cenário para apresentações da Orquestra Sinfônica do Paraná. Porém, por questões de segurança, continuou na retaguarda para ser baixada apenas para cumprir sua função original, ou seja, evitar que eventuais incêndios pudessem comprometer toda a estrutura do teatro.
Ela retoma algumas cenas já retratadas no mural da Rua XV de Novembro, funcionando como um elo entre as próprias obras de Poty, que trazem elementos regionais, como o pinheiro e os carros de boi, e a evolução das artes cênicas que ele já tinha retratado no painel da fachada do teatro. A obra foi executada pelo próprio Poty e pelas artistas plásticas Carmen Carini e Laila Tarran.
“Foram mais de 40 dias elaborando essa pintura com a ajuda da equipe dele, mas com muitos traços pintados pelo próprio Poty Lazzarotto”, explica Áldice Lopes. “Assim como o painel de concreto da fachada, este painel foi um pedido do governador Bento Munhoz da Rocha Neto. É uma cortina deslumbrante, que fica no urdimento do palco”.
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CORTINA DO GUAIRINHA – O desenho na porta corta-fogo do Guairinha revela uma das crônicas mais divertidas do Teatro Guaíra. Os corpos artísticos do espaço produziram, em 1976, a ópera Aída, do italiano Giuseppe Verdi (1813-1901). Cerca de 400 pessoas, entre técnicos, atores e músicos do coro e da Orquestra Sinfônica do Paraná, dividiam o palco do Guairão com uma elefanta, um dromedário e um cavalo, que entravam em cena no espetáculo.
A elefanta Mila foi uma atração à parte. Ela ficava em frente ao prédio do Guaíra e ajudou a despertar o interesse do público para assistir à montagem. Mas a produção resolveu colocá-la em um local seguro e o animal foi levado para o estacionamento do Círculo Militar, logo ao lado do teatro. Conta-se que, em uma noite, a elefanta sentou em cima de um Fiat 147, que ficou todo amassado com o peso do animal.
Poty adaptou a história à sua maneira e desenhou Mila sentada em cima de um fusca, cujo design pode lembrar o formato de um elefante, com o prédio do Guaíra no fundo. A ilustração da cena é um dos 12 quadros que compõem o mural da cortina corta-fogo do auditório.
Os outros desenhos remetem a peças que o próprio artista assistiu no Guairinha, como “A Vida de Galileu Galilei”, de Bertolt Brecht, “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, e “O Vampiro e a Polaquinha”, baseada em textos de Dalton Trevisan. Lazzarotto, inclusive, ilustrou uma série de livros do escritor curitibano.
A obra foi concluída em 1997, quando Poty tinha 73 anos de idade. Apesar da concepção dos desenhos, ele não participou da transposição para a “tela gigante”. As pinturas ficaram a cargo, mais uma vez, de Carmen Carini e Laila Tarran, que já tinham contribuído com o projeto no Guairão. O artista morreria no ano seguinte, deixando um acervo com milhares de obras, que vão de ilustrações a painéis espalhados por diferentes cidades do Paraná e do Brasil.
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ACERVO NO MON – Napoleon Potyguara Lazzarotto nasceu no aniversário de Curitiba, cidade que conta com boa parte de suas obras, no dia 29 de março de 1924. Se consagrou, ao longo da carreira, como um dos principais artistas plásticos do Brasil, com uma obra diversa que vai de ilustrações de livros – por exemplo, de Dalton Trevisan e Guimarães Rosa –, murais, gravuras, tapeçarias, entalhes, serigrafias e esculturas.
O acervo de Poty Lazzarotto, com cerca de 4,5 mil obras, foi doado pela família ao Museu Oscar Niemeyer (MON) em 2022. Desde quando é responsável pela guarda, o museu já trouxe ao público duas exposições do curitibano. A primeira, “Poty, entre dois mundos”, ficou disponível para visitação de 26 de outubro de 2022 a 24 de março de 2024.
Já a mostra “Trilhos e Traços – Poty 100 anos” celebra o centenário do artista e fica em cartaz até 31 de janeiro de 2025. São aproximadamente 500 obras, que foram organizadas em torno de nove núcleos temáticos presentes na trajetória artística de Poty, representando suas diferentes facetas: o Narrador, o Trabalho, o Xingu, o Sagrado, a Guerra, o Cotidiano, o Viajante, o Muralista e o Retratista.